Sentada à mesma mesa que o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Pedro Machado, o autor do estudo, Eduardo Brito-Henriques, e o arquiteto Tiago Mota Saraiva, Ana Jacinto levou para o centro da discussão aquilo que a AHRESP vem defendendo há vários anos: discutir turismo, sim — mas com base em factos reais, e não apenas em perceções.
Perceções contam. Mas não chegam
Logo na sua primeira intervenção, Ana Jacinto fez questão de valorizar o estudo e o debate que este reabre na sociedade portuguesa. Saudando o Barómetro como um contributo importante e reforçando a necessidade de ouvir o que os residentes sentem, deixou um aviso claro: as perceções são um alerta precioso, mas têm de ser cruzadas com a realidade estatística antes de servirem de base a políticas públicas. “As perceções são alertas, são importantes e devem ser ouvidas — mas não podemos continuar a regular e a tomar decisões com base em perceções”, avançou a secretária-geral da AHRESP.
Para Ana Jacinto, o debate público corre o risco de partir de premissas incompletas, levando a conclusões precipitadas sobre a relação entre turismo, habitação e qualidade de vida: “O país continua a decidir muito sobre turismo com base em ‘sensações’ e pouco com base em cadastros rigorosos e informação atualizada. Por exemplo, temos cerca de 126 mil registos de alojamento local, mas perto de 50 mil são registos fantasma – unidades que não fizeram prova do seguro obrigatório e que poderão estar inativas ou em incumprimento.” Ainda assim, explicou, “este universo é frequentemente usado como se fosse uma fotografia fiel da realidade, alimentando perceções inflacionadas sobre o peso do AL em todo o território. E estamos a tomar decisões com base num universo que não existe”.
Alojamento local: continua a ser o bode expiatório
O Barómetro mostra que a população associa o crescimento do turismo, e em particular o alojamento local (AL), à crise da habitação, ao aumento dos preços das casas e à redução da oferta.
Ana Jacinto não nega que, em algumas zonas de maior fluxo turístico, o AL possa exercer alguma pressão sobre o mercado habitacional mas recusa a ideia de que o AL seja o grande culpado da crise da habitação. “O AL não é o culpado”, afirmou.
Na sua intervenção, lembrou que a falta de habitação resulta de uma soma de fatores estruturais, muitas vezes ignorados no debate público. “É perigoso reduzir a falta de habitação ao alojamento local. A habitação é afetada por por políticas públicas insuficientes, deficiente mobilidade, migração interna e externa, aumento dos custos de construção e falta de mão de obra, normas complexas, burocracia excessiva, falta de terrenos, entre outros”, esclareceu.
O AL, disse Ana Jacinto, pode e deve fazer parte da solução — sobretudo através de uma regulação inteligente e diferenciada —, mas não pode ser transformado no bode expiatório de um problema muito mais profundo.
Turismo, lixo e cidade: o que se vê e o que não se vê
O Barómetro identifica ainda preocupações com lixo, ruído, congestionamento e perda de qualidade de vida em zonas de alta pressão turística.
Ana Jacinto reconhece estes problemas, mas lembra o reverso da medalha: as taxas turísticas e as receitas associadas têm permitido (mas podem ainda mais) reforçar a limpeza urbana, financiar programas culturais e de dinamização local. “As autarquias aplicam receitas turísticas em serviços e equipamentos — mas o residente não sabe. É preciso comunicar melhor”, sugeriu.
Informar sobre benefícios do turismo
O turismo, recordou Ana Jacinto, é cofinanciador ativo da cultura e da valorização territorial, mas esse impacto positivo raramente chega ao cidadão comum: “Há que melhorar a comunicação, para que a população possa ver o turismo como aliado e que não é a fonte dos seus problemas, muito pelo contrário. Precisamos de explicar o que o turismo traz às comunidades. Só assim combatemos perceções erradas.”
Ao longo do debate, Ana Jacinto defendeu que o turismo deve ser feito com as pessoas locais e com o território: “O turismo tem de envolver as comunidades. E temos muitos bons exemplos como é o caso das Aldeias do Xisto, e em Águeda o Umbrella Sky Project, onde a criatividade e a identidade local alavanca a atração turística. Temos de replicar mais estes modelos, distribuindo benefícios ao longo da cadeia de valor e reforçando a coesão social em vez de a fragmentar.”
A secretária-geral da AHRESP reforçou, também, que “regulamentar sim, mas com dados rigorosos”, porque “só assim tomamos boas decisões para residentes, empresas e para o turismo, que é um pilar da economia”.
Para concluir, clarificou a mensagem, sublinhando que não se pode responder às preocupações legítimas dos residentes demonizando a atividade económica que sustenta grande parte do território. “É preciso equilíbrio, planeamento e regulação inteligente”, disse.
Perceções, dados e políticas públicas: o triângulo mais debatido
Durante o decorrer da discussão em estúdio, Barómetro do Turismo e convidados convergiram num ponto essencial: o turismo é estrategicamente importante para a economia portuguesa mas as externalidades negativas existem e são sentidas sobretudo em zonas de maior pressão. A prioridade deve ser um modelo de crescimento sustentável, com mais valor e menos volume.
Pedro Machado enquadrou o peso económico do turismo: “Não podemos reduzi-lo à questão da habitação e à questão do alojamento local. O turismo é muito mais do que isso: é uma constelação de setores que impacta e dinamiza 49 outras atividades económicas. É bom lembrar, e talvez o país não tenha esta percepção, que a atividade turística representa cerca de 13% do nosso produto interno, o consumo de bens em Portugal representa 29% e o consumo de serviços representa 17%. Somados estes três setores, representam praticamente 60% do nosso PIB”, adiantou.
Eduardo Brito-Henriques, um dos três autores do Barómetro do Turismo, esclareceu que o estudo não deteta qualquer hostilidade contra os turistas. “Não há uma atitude anti-turismo. Mas as pessoas sentem impactos muito significativos, sobretudo na habitação”, disse.
Já Tiago Mota Saraiva, sócio do “ateliermob” e dirigente da cooperativa “Trabalhar com os 99%”, insistiu nas pressões reais sobre o espaço público. “Há dados objetivos sobre lixo e pressão em zonas de alta intensidade turística. A perceção aqui é real,” assegurou, reforçando que os residentes não se sentem os principais beneficiários.






