(i)nevitável | “Vamos ter um ano de 2023 difícil, muito desafiante, com muitas incertezas”

Dez 16, 2022

Em entrevista ao Jornal i, Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, traça um cenário difícil para as empresas do canal HORECA em 2023. As incertezas e os desafios são muitos: o cenário inflacionista, os apoios que não são universais, o endividamento não desejável para empresas que já enfrentam problemas de tesouraria e a questão da escassez de trabalhadores que obriga a estratégias de atração e retenção de talento que priorizem o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos colaboradores

Ana Jacinto | Secretária-geral da AHRESP

@ Nuno Martinho/AHRESP

“Já temos mais pessoas outra vez de lancheira”

[…] Estamos perante um cenário desolador ou pouco otimista?

Não quero ser pessimista e obviamente não devemos desvalorizar o que já referi e é importante é que o setor, especialmente nos últimos meses de verão, cresceu em número de proveitos, quase atingimos os valores pré-pandemia, no que diz respeito ao número de hóspedes, dormidas. Acredito que agora nas festas, a maior parte dos hotéis e a restauração estão com procura, estão com bons níveis de ocupação e se nada acontecer mais, porque estas intempéries também vieram dificultar a vida, se estas reservas que estão previstas se concretizarem, é bom. Agora o princípio do ano vai ser
muito difícil e não estamos a ver medidas concretas que possam mitigar todos estes efeitos. Não querendo ser catastrófica, temos algum receio. O nosso inquérito já falava em empresas que não iam
conseguir aguentar, que iriam encerrar portas com os consequentes despedimentos e face a isso deveríamos ter um cuidado redobrado.

“Havia empresas que estavam com os stocks no máximo por causa das festas e sofreram danos lastimáveis”

O Governo anunciou esta semana apoios de 500 milhões para mitigar os preços da energia e do gás…

E tudo muito insuficiente face ao peso que estes aumentos têm nas nossas empresas. Na semana passada, o secretário de Estado que foi recentemente empossado anunciou no congresso da APAVT medidas para o turismo, numa dotação de cerca de cem milhões de euros, divididos entre duas medidas: 30 milhões e 70 milhões. Os 70 milhões estão relacionados com a medida Apoiar, uma das medidas que a AHRESP sinalizou como necessária e a outra medida representa endividamento. É evidente que tudo quanto seja para apoiar o turismo é bem-vindo, agora é preciso ter noção do que estamos a falar. O programa Apoiar destina-se apenas às empresas que recorreram às medidas do Apoiar anteriores – Apoiar Restauração e Apoiar Mais Simples- as que não recorreram não vão poder recorrer agora. Quanto à medida dos 30 milhões, estamos a falar de endividamento e endividamento as empresas já têm muito, não precisam de mais. Se é positivo? É evidente que é positivo. É melhor do que não haver. Agora não são estas medidas que são suficientes para aquilo que vamos enfrentar em 2023, porque o impacto vai ser grande. Já está a ser grande, mas vai ter um impacto ainda maior, porque nos primeiros meses do ano sabemos que a procura vai ser muito diminuída, como aliás tem sido sempre todos os anos. Só que, nos anos anteriores, tínhamos alguma robustez ao nível das nossas tesourarias que nos permitia acomodar esses meses de pouca procura. Neste momento não temos porque viemos de dois anos de pandemia, as empresas não se restabeleceram e mesmo com um verão positivo confrontam-se com todos estes aumentos de custos.

Ana Jacinto refere que a redução do IVA na restauração teria um impacto de cerca de 90 milhões, mas não foi contemplada no Orçamento, quando para a medida do IVAvoucher foi colocada uma dotação de 200 milhões, que nem sequer foi gasta totalmente. “Isto foi uma opção política”

O início do ano será ainda marcado pela subida do salário mínimo nacional…
O acordo de rendimentos e o aumento do salário mínimo vai mexer em vários níveis das nossas tabelas salariais. Não é só aumentar a base, temos de aumentar todos os salários proporcionalmente, caso
contrário os níveis ficam todos colados. Até porque temos cada vez menos pessoas a receber o salário mínimo, porque não há pessoas para trabalhar. Ainda na quarta-feira tivemos uma reunião de direção, em que todos os nossos vice-presidentes disseram exatamente a mesma coisa: não é possível contratar com salários mínimos, nem é desejável, porque o que queremos é que as pessoas e os talentos se retenham nas empresas, agora isso tem um aumento em cadeia. As empresas querem pagar mais e melhor aos seus colaboradores, precisamos das profissões valorizadas, porque o setor tem um problema de falta de trabalhadores. […]

É cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a trabalhar sábados, domingos e feriados, quando os amigos estão na praia”

Excerto da entrevista a Ana Jacinto na edição impressa do jornal i (16 de dezembro de 2022)

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