“Reduzir o desperdício é uma oportunidade de eficiência económica”
A afirmação é de Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, que sublinhou que o “Canal HORECA representa apenas cerca de 11,5% do desperdício alimentar em Portugal, enquanto 67% ocorre nos lares.”
Ao longo do debate, emergiu uma leitura muito concreta da realidade do terreno. A restauração é maioritariamente composta por microempresas, ainda pressionadas por efeitos da pandemia, inflação alimentar, custos laborais e carga fiscal. “A procura não é sinónimo de rentabilidade”, alertou Ana Jacinto, defendendo que sem dados, sem um cadastro da restauração que permita apurar quantos restaurantes existem no país e sem políticas ajustadas, é difícil saber o que pode ser exigido a quem opera com margens mínimas na tesouraria.
“Fala-se muitas vezes com base em perceções, sem o apoio que o conhecimento alicerçado na recolha de dados, na medição e na monitorização permitiria. Se não sabemos quantos restaurantes existem, como podemos apurar o volume de desperdício que cada um destes estabelecimentos produz?”, questiona.
“Há muita coisa que pode ser feita sem investimento, mas há limites operacionais reais”, continuou, lembrando a escassez de trabalhadores, a elevada rotatividade e a necessidade constante de formar equipas multiculturais.
A resposta da AHRESP nesta matéria tem passado pela capacitação: “A Academia AHRESP existe precisamente para isso — formar, apoiando, explicando benefícios e transmitindo novas práticas”, adiantou a secretária-geral.
Ana Jacinto referiu ainda que a tecnologia é uma aliada fundamental na gestão de um negócio de restauração. “Ferramentas digitais, incluindo soluções de inteligência artificial, permitem hoje às empresas medir desperdícios, analisar padrões de consumo, prever a procura e ajustar compras e produção”, contribuindo para decisões mais informadas e sustentáveis.
“Frequentemente os empresários têm a perceção de que o investimento em medidas de sustentabilidade é mais um custo a adicionar aos muitos encargos que um restaurante tem. Mas é importante desmistificar: a redução do desperdício alimentar é uma oportunidade de eficiência económica, para além dos benefícios ambientais.”
A secretária-geral da AHRESP destacou também o papel ativo que a associação tem assumido na promoção do combate ao desperdício alimentar no Canal HORECA, lembrando que a AHRESP integra a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar e o Movimento Unidos Contra o Desperdício Alimentar, acompanhando de perto a evolução legislativa e as boas práticas.
Planeamento, criatividade e medir para reduzir
Do lado das operações de maior escala, Ana Caetano, diretora de Relações Públicas do Lisbon Marriott Hotel, mostrou que medir é decisivo. Ao detalhar o programa interno de combate ao desperdício, explicou que “em nove meses reduzimos o desperdício em 50%, o equivalente a duas mil refeições por mês”, combinando planeamento, controlo diário, otimização de menus e tecnologia, incluindo inteligência artificial. O impacto foi duplo: “Poupámos cerca de duas mil refeições por mês e reforçámos o apoio à comunidade”, acrescentando que hoje “há clientes que escolhem o hotel precisamente por existirem estas práticas”.
Na alta cozinha, André Cruz, chef do Feitoria, em Lisboa, desmontou a ideia de que fine dining é incompatível com sustentabilidade. “Somos altamente profissionais. O desperdício é um problema operacional e económico”, afirmou, defendendo fichas técnicas rigorosas, planeamento e criatividade para lidar com a imprevisibilidade do negócio. Para o chef, sustentabilidade e desperdício “cruzam-se, mas não são a mesma coisa”: reduzir desperdício passa por produzir apenas o necessário e encontrar soluções responsáveis quando há excedentes, seja pela transformação, seja pela doação.
Já Rodrigo Castelo, chef do Ó Balcão, em Santarém, levou o debate ao território e à origem dos produtos. A sua abordagem radicalmente integrada — do uso integral do peixe de rio à articulação com a escola agrária para transformar resíduos em proteína — mostrou que “não há limite para ser sustentável” e que “os recursos disponíveis no território criam valor”. Para o chef, sustentabilidade começa na educação e na rentabilidade: “Ser sustentável também é ser economicamente viável”. Ao usar espécies invasoras, agricultura regenerativa, plantas espontâneas (conhecidas como “daninhas”) e caça, defendeu uma visão sistémica onde combater desperdício é também proteger o ecossistema e a identidade local.





